Não me apetecia, não me tem apetecido.
Sei o que me apetecia, talvez por
isso: escrever tudo cheio de erros. Escrever num código só meu. Desculpa triste,
escrevo sempre num código só meu. Tudo cheio de erros. Gosto dos meus erros, são
sintoma de liberdade quando não tenho medo deles. Depois refinam-se e passam
despercebidos. Como quem acha uma nota no chão e lhe põe um pé em cima.
"Devolve-se a quem provar pertencer-lhe". Olha-se para um lado e para o outro, a
medir a humidade, a ver aquela nuvem mais escura e a criar a ideia de que vem aí
chuva, passageira.
Depois deixa-se cair a chave. Plim. Arrebanha-se tudo,
a fazer valer o dobrar da espinha. O gesto refinado, a não admitir o erro. Do
outro lado o Sol, as caras cinzentas, incapazes de ouvir um plim. "Afinal
pertence-me a mim". Os olhos vagueiam para a noite, a desejar o sonho ímpio dos
inocentes, todos errados. A inocência perde-se quando se eliminam os erros.
Passa-se a ser um sequaz do justiceiro, cheio de certezas e dedos espetados.
Perde-se a misericórdia. Perde-se a noção do belo.
O belo em si é um
erro, perfeito, como é qualquer erro, capaz de nos fazer virar a cabeça e perder
a noção da realidade, essa coisa que não se compadece com erros, que nos impele
sempre para a imperfeição da posição irrefutável, mas sempre à mercê da
imensidão do que não dominamos, a excepção fundamental que confirma a regra,
esse erro abrupto que nos oprime qualquer certeza. O belo é imerecido porque é
um erro supremo que ninguém merece, por ter sempre alguma certeza, até isso
justifica a sua essência errada e errática.
O erro não é intencional, ao
contrário do mal que nunca é um erro. O mal é uma escolha, mais ou menos
reflectida, mas nunca um erro. No entanto, erradamente, condenamos o erro quando
deveríamos condenar o mal. O verdadeiro erro pode ser fruto de incompetência,
distracção, incontinência, desmesura. Quando toleramos a génese, admitimos
que fundamente a causa, mas apesar disso continuamos a condenar aquilo que
inicialmente admitímos, sem querermos ver que deveria ser a verdadeira causa a
perseguida. Assim, andamos com medo de errar, tentando fazer tudo certo ainda
que mal.
Tememos a revelação dos nossos erros, pela injustiça do seu
julgamento. Só poderemos ser livres quando nos exprimirmos por erros sinceros,
pleonasmo; num código individual, imperceptível até que se refine, nessa altura
compreendemo-lo, e passa a ser linguagem comum, alimento de debate e de
inovação. Uma linguagem bela, profundamente errada é certo, mas
universal.
A constatação de que errar é humano, faz-me acreditar que tudo
o que fazemos é belo, tanto mais quanto mais errado for, desde que o não façamos
por mal. É divina a nossa acção no mundo. Compraz-me que este exercício possa
ser o erro que me tolha, porém palpita-me que errei, e acertei assim na impureza
do hediondo, imperfeito, maléfico, intencional, desumano.
As certezas
são sempre terríveis, ímpias, como os sonhos dos inocentes.
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