"(...) a maravilha que deve ser
escrever um livro: a invenção dentro da memória; a memória dentro da invenção; e
toda essa cavalgada de uma grande fuga, todo esse prodígio de umas poligâmicas
núpcias, secretas e arrebatadas, com a feminina multidão das palavras: as que se
entregam, as que se esquivam; as que é preciso perseguir, seduzir, ludibriar; as
que por fim se deixam capturar, palpar, despir, penetrar e sorver, assim
proporcionado, antes de se evaporarem, as horas supremas de um amor feliz. Não
há matéria mais carnalmente incorpórea; nem outra mais disposta a por amor ser
fecundada."
(David Mourão Ferreira)
Como se pode interpretar
de outro modo esse velho lugar-comum de ter um filho, plantar uma árvore,
escrever um livro? Só se em todos os casos se tratar de grandes e inevitáveis
actos de amor: com a Mulher, com a Terra, com a Língua. Mas de plantar árvores e
ter filhos haverá sempre muita gente que se encarregue. De destruir árvores
também; de estragar filhos igualmente. Em compensação, um livro, um livro que
viva, multiplicado, durante alguns anos ou alguns séculos, e que depois vá
morrendo, sem ninguém dar por isso, mas nunca de uma só vez, até ser enterrado
na maior discrição ou até se ver de súbito renascido, inesperadamente
ressuscitado, um livro com semelhante destino - luminoso por mais obscuro,
obscuro por mais luminoso -, isto é que foi sempre o que me empolgou. E é por isto que este passo de treino e aprendizagem que é este blog culminou o seu percurso. Agora está na altura de outro. Vou empolgar-me de certeza. Vemo-nos um dia destes noutro sítio. Hasta.
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