segunda-feira, 16 de abril de 2012

Violinos no largo.

Estava eu a planear um sábado desportivo com jantar "futebolês" e eis que a minha amiga X, violinista e utópica de religião, perguntou-me se eu queria jantar, que estava ali perto, que as saudades não podem ser alimentadas e que seria uma coisa boa com um grupo dos seus amigos de trabalho (músicos, actores e poetas). Eu disse sim, que as saudades devem ser assassinadas de baioneta, numa boa mesa de jantar, que também estava ali perto e que um grupo fechado na ciclicidade das artes aspirará sempre ao jantar perfeito. O São Carlos servia de palco, a boa comida de cenário, o vinho tinto de inspiração e as palavras pareciam alinhar-se, ajeitar-se, talvez mesmo, aninhar-se aos lábios de quem dizia. Depois não me lembro bem como foi. Acho que falavam de instrumentos, das pessoas a serem instrumentos qual seriam. E eu disse: "que cada ser tem um som, cada pessoa tem um som e uma zona de si vazia. Que tal como no universo, em nós não há ruído, há som. Que é nessa zona de si vazia que as palavras do outro ressoam e fazem sentido. Que é ali, naquela zona, que o eco se faz e as palavras se diluem dentro de nós, até que façam parte de nós. Expliquei que em mim, as palavras caem dentro do meu peito, caem dentro de mim, devagarinho, como se tocassem num xilofone. Um grande xilofone balinês... E que se me deixar tocar por elas, ouvirei o ressoar do coração, escutando os sons do afecto. Em pequenas notas de xilofone. Em pequenas gotas da pessoa que está à minha frente." Em seguida houve um silêncio. Um desconforto. Uns rostos que me olharam "who brought the fucking alien?" Até alguém falar de algo que fez nascer novamente o ruído, a conversa, o burburinho. A X sorriu-me como quem contempla algo de arte totalmente out, que se admira profundamente com carinho, mas não se entende por mais que se estique a ternura. Como se eu fosse um Kandinsky, cheio de promenores tão inacessíveis e tão belos no conjunto. Eu sorri-lhe de volta, como se fosse o cérebro do próprio Kandinsky - esquizofrénico, cheio de perguntas, cheio de certezas, parte do Cavaleiro Azul, rodeado de artistas e eternamente sozinho. Gosto desta minha fase.

Sem comentários:

Enviar um comentário